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A relação entre emoções e nossas doenças
Por David Monducci
O binômio saúde-doença, se não é o mais relevante em nossas vidas, é um dos mais importantes, ocupando boa parte do nosso tempo e atenção. Mas o que é saúde? E o que é a doença? Mais pertinente ainda é perguntar: Por que nós adoecemos?
De forma simplória, acreditamos que saúde é a ausência de doenças. Contudo, esta ideia é pelo menos incompleta, se não errada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como sendo "um estado de completo bem-estar biopsicossocial". Portanto, quando pensamos em saúde como sendo a ausência de doenças, estamos observando apenas o aspecto biológico da definição proposta. Quando estamos tristes e depressivos por uma desilusão amorosa, ou quando estamos ansiosos e irritados por causa de dívidas, também estamos doentes.
A primeira consequência da definição proposta pela OMS é a necessidade de adquirirmos uma nova maneira de ver e de compreendermos o que seja a doença. Nesta nova perspectiva, a doença passa a "ser um estado de mal-estar biopsicossocial". Outra consequência, um pouco mais difícil de ser assimilada, é que os estados de saúde ou de doença devem ser acompanhados do verbo 'ser', e não do verbo 'ter'.
Uma mudança tão paradigmática de perspectiva exige que alcancemos um nível mais elevado de consciência de nós mesmos. Ao pensarmos em quem e o que somos, não basta considerar que ser consciente seja simplesmente a intuição dos eventos mentais que formam o nosso senso íntimo, o conhecimento de alguma coisa comum ou o estado fisiológico normal do sistema nervoso, permitindo aos indivíduos a sua plena identificação no tempo e no espaço, um comportamento adequado frente ao meio ambiente e a posse das faculdades sensitivas (ver, ouvir, falar, cheirar, degustar, pensar). Todavia, esta interpretação do que seja consciência não é a mesma coisa que um estado de perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente. Numa visão mais sofisticada e evoluída, consciência indica o conhecimento que habilita ao homem compreender, sentir e vislumbrar a totalidade do seu mundo interior, revestido com valores morais que tangem às noções de bem e mal.
No livro No mundo maior, ditado por André Luiz, através de Francisco Cândido Xavier, o instrutor Calderaro apresenta os níveis de consciência como se fossem um castelo ou uma casa de três andares. O nível mais inferior é o que abriga os impulsos automáticos representados pelos instintos. Neste nível de consciência a atenção do indivíduo está centrada em satisfazer os seus instintos de preservação e de reprodução.
O segundo andar da casa mental é onde residem o esforço e a vontade do hoje, aqui e agora, preocupado tão somente em ser, em fazer e em acontecer no momento atual. Não olha para trás, isto quando não faz de tudo para apagar o passado e esquecê-lo, e quando pensa no futuro, este quase sempre é imediato e de curto prazo.
No terceiro andar, ou no terceiro nível de consciência, residem o ideal ético-moral e o senso do dever a ser cumprido, é onde vivemos uma preocupação construtiva com o futuro e a compreensão da necessidade do próximo e da coletividade. Nesse nível de consciência, os indivíduos olham para o futuro e trabalham para edificar obras perenes. São os idealistas (não sonhadores) que laboram para construir uma sociedade melhor, mais fraterna e solidária. Como precisam subir, degrau a degrau, a escada que os leva para o mais alto, aprenderam que não devem carregar coisas inúteis que dificultem a sua marcha e que os impeçam de evoluir.
Para chegar a este nível de consciência tiveram de se desfazer das emoções negativas dos ódios, rancores e mesquinharias que os mantinham presos nos níveis inferiores. Libertaram-se do egoísmo e do orgulho, despiram-se de qualquer vaidade e aprenderam que pelo trabalho edificante no bem e na caridade conseguem avançar a passos largos rumo ao "reino dos Céus".
Sermos conscientes de nós mesmos implica a capacidade de reconhecermos os nossos sentimentos e emoções. Nossos sentimentos formam um estado afetivo complexo inato, caracterizado por uma combinação de elementos emotivos e imaginativos estáveis em relação a coisas de ordem moral ou intelectual. É o que nos dá a capacidade de perceber as manifestações emocionais na intimidade do nosso ser, em primeiro lugar, e nas outras pessoas, em segundo lugar. Dos sentimentos derivam as nossas emoções, ou seja, a capacidade de pôr em movimento reações orgânicas variáveis na intensidade e na forma, e que se fazem acompanhar de alterações orgânicas, constituindo o corolário físico das nossas emoções.
A combinação dos nossos pensamentos, sentimentos e emoções constituem a nossa mente, a nossa consciência, aquilo que nos define, nos caracteriza, o que realmente somos. Nós somos aquilo que pensamos, como foi colocado por René Descartes. Joanna de Ângelis, no livro Episódios diários, diz que "o homem se torna o que pensa" e a escritora Suely Caldas Shubert registra que "pelo pensamento nós nos libertamos ou nos escravizamos"1.
O desenvolvimento de uma teoria que explicasse à fisiologia das emoções ocupou o tempo de alguns dos maiores sábios da humanidade. Até o século 18, as teorias existentes eram fruto da mais pura elaboração filosófica. A dificuldade para se formular uma teoria única para as emoções decorre da nossa incapacidade em compreendê-las satisfatoriamente numa perspectiva fisiológica e filosófica a um só tempo.
Sigmund Freud foi, talvez, o primeiro pesquisador a descrever que quando as nossas emoções são reprimidas, elas acabam se constituindo na fonte de um conflito emocional crônico, que gerará distúrbios físicos ou psicológicos, se não for aliviado, mediante os canais fisiológicos competentes. Ele teria afirmado "que estava consciente da existência de fatores psicogênicos nas doenças".
As teorias para uma origem emocional das doenças desenvolveram-se a partir de 1936, com os trabalhos do médico Hans Selye (1907-1982), que descreveu um conjunto de lesões teciduais e orgânicas produzidas por vários agentes nocivos sem potencial letal, mas que geravam altos índices de estresse nas cobaias. Selye descreveu a síndrome de adaptação geral, relatando um conjunto de reações fisiológicas desencadeadas por fatores estressantes contínuos.
A doença começa quando o indivíduo vive em um estado de conflito emocional, agudo ou crônico, entre os seus desejos e as suas possibilidades de ação. Ao reprimir a livre manifestação das suas emoções, o indivíduo cria um estado de tensão íntima, na maioria dos casos, inconsciente. Quando o bloqueio imposto ao fluxo emocional torna-se crônico, ele determina uma paralisação das manifestações do sistema nervoso em um padrão tônico específico. O resultado desse processo será traduzido por uma condição de desequilíbrio funcional dos nossos órgãos e sistemas.
O paciente estará constantemente segurando as suas emoções, o que equivale dizer que ele estará represando as expressões vegetativas que dariam vazão àquele conteúdo emocional. A manutenção prolongada de um estado tônico desequilibrado vai se constituir no fator gerador da doença, o que levará o paciente a buscar atendimento médico. O dito popular que postula que "o hábito do cachimbo deixa a boca torta" cai aqui como uma luva.
Temos que nos conscientizar de que somos doentes. Em O homem integral, Joana de Ângelis afirma que "há doenças, porque há doentes", mas, por que somos doentes? Somos doentes porque não conseguimos viver em harmonia e em equilíbrio com o meio e com as pessoas à nossa volta. Adoecemos porque estamos repletos de ódios, rancores, mágoas, culpas, remorsos, ressentimentos, medos e frustrações que não queremos enfrentar. Não conhecemos as nossas próprias emoções e queremos esconder dos outros, e de nós mesmos, os pensamentos e os sentimentos de egoísmo, de orgulho e de vaidade. Não queremos e não gostamos de ver a sombra, o lado feio da nossa personalidade; é por isso que quando nos deixamos fotografar apresentamos o nosso melhor ângulo.
Parafraseando Sócrates, que usava por lema a inscrição da entrada do templo de Apolo, em Delfos, que recomendava "Conhece-te a ti mesmo", é necessário que olhemos para dentro de nós mesmos, se quisermos ser pessoas saudáveis. Todos ansiamos poder apaziguar o coração aflito e cansado por causa das doenças, por isso é conveniente podermos fazer uso de novos conhecimentos, de modo a vermos o mundo à nossa volta e a nossa própria vida com outros olhos, os olhos da consciência.
As nossas doenças são o convite que Deus nos faz para que venhamos a ser mais conscientes de nós mesmos e dos nossos papéis na família e na sociedade, conduzindo-nos pela vida de forma amorosa, solidária e caridosa. No livro A doença como caminho2, os autores nos dizem que as nossas doenças são o meio para nos conduzir à perfeição. Cada doença, cada dor, cada sintoma traz uma mensagem única e exclusiva para nós e apenas para nós. Quando estivermos prontos para aceitá-las e compreendermos o que elas querem tanto nos dizer, estaremos aptos a trilhar o caminho da nossa perfeição, que evidentemente passa pela nossa saúde.
1 Obsessão, desobsessão – profilaxia e terapêutica espíritas. FEB, 2015.
2 Dethlefsen, T.; Dahlke, R. A doença como caminho. Cultrix, 1983.
Médico, neurocirurgião, pós-graduado em medicina psicossomática. Expositor do NEF- NÚCLEO ESPÍRITA DE FILOSOFIA, em São Paulo. Autor do livro Saúde e Vida, uma abordagem espiritual sobre emoções e doenças, Correio Fraterno, 2016.