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DEUS, LIVRE ARBÍTRIO E COVID
Na filosofia do Homer Simpson "a culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser". Essa perola do pensamento vem sendo usada, há muito tempo, por indivíduos, instituições e nações para culpar ou responsabilizar alguém quando alguma coisa sai errada. Neste contexto é esperado que busquemos algum responsável por toda a dor e sofrimento causados pela pandemia da Covid 19 que já conquistou o seu lugar na história humana como uma das maiores catástrofes naturais, com perdas econômicas globais e o registro oficial de 5.7 milhões de mortos.
Isso nos leva ao problema do mal no mundo. O pensador grego Epicuro de Samos desenvolveu, por volta do século III a.C., a forma mais famosa da questão no Paradoxo do Mal. De uma forma resumida, concluiu que a existência do mal no mundo é incompatível com a existência de um Deus onipotente, onisciente e benévolo.
É comum vermos pessoas recorrendo ao paradoxo do mal para criticarem e rejeitarem a idéia de um Deus onipotente, ciente e bondoso. O curioso é percebermos uma cegueira parcial, dos mesmos críticos, para a resposta dada ao paradoxo por Santo Agostinho, no século 4 d.C. O bispo de Hipona ensinou que existem 3 tipos de "males" no mundo: o primeiro ele denominou de metafísico e seria a imperfeição de tudo que não fosse Deus, pois, somente esse, seria perfeito; o segundo ele denominou de natural e seria consequente a todos os processos físicos de transformação na natureza, pois "há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer" (Ecles 3:1-2); o último, ele denominou de livre-arbítrio e seria o resultado das escolhas feitas pelo homem.
Alega-se que a tese de um mundo onde todos os homens só pudessem fazer o bem não violaria nenhum princípio lógico, posto que os animais vivem bem sem o livre-arbítrio. É um argumento falso, pois os animais estão submetidos ao determinismo do instinto. Uma vida sem livrearbítrio seria marcada pela mediocridade, uma vez que sem a liberdade
para fazermos escolhas estaríamos necessariamente presos e limitados a um conjunto básico de respostas viscerais a estímulos orgânicos - comer, dormir, reproduzir. É verdade que não haveria crimes e guerras, contudo, também não teria havido progresso, nem ciência, nem arte, nem beleza.
Estaríamos caminhando nus pela terra, catando aqui e ali algo para comer, escondendo-nos para dormir e reproduzindo instintivamente, sem as cores
do amor.
O livre-arbítrio é o que nos faz sermos semelhantes a Deus (Gn 1:26), seres inteligentes e dotados da capacidade de escolher entre o bem e mal,
entre o certo e o errado, entre a verdade e a mentira. Foi o livre-arbítrio que abriu os olhos de Adão, ajudando-o a perceber que estava nu - totalmente despido das qualidades (e dos defeitos) que nos torna humanos. Nesse momento ele despertou para uma vida repleta de realizações, com uma paleta quase infinita de opções e escolhas sobre como vamos viver o dia de hoje, o que queremos fazer, comer, vestir. Na citação de Horácio aproveitar o momento (carpe diem). O livre-arbítrio concede a cada indivíduo, instituição ou sociedade, o prêmio das boas escolhas e o ônus dos próprios erros. Através do livre-arbítrio, colhemos a pandemia ao semearmos a destruição da natureza, o descuido do homem, para satisfação da nossa ganância (Gl 6:7).
Mais importante do que buscarmos culpados e responsáveis, é aprendermos a lição para não cometermos os mesmos erros no futuro. Não é apenas a natureza que evolui em moldes darwinianos, evoluímos como seres inteligentes para níveis mais elevados de consciência ética e econômica-social. Temos a liberdade de perder e desperdiçar essa
oportunidade de crescimento, como outrora, ou podemos aproveitar o momento para mostrar paciência e resignação ante as leis de Deus, desenvolver os sentimentos de abnegação, de desinteresse próprio e amor ao próximo (LE 740).
Percebo, depois de alguma reflexão, que nós, espiritas, não estamos fazendo as clássicas perguntas que já tinham sido feitas por Kant: o que posso saber? (o espírita deveria perguntar - o que posso aprender com esta situação?), o que devo fazer? (o que devo fazer dentro desta situação?) e o que posso esperar do homem nesta situação? com esta epidemia que é global e não localizada como foram todas as outras, e que vieram acontecendo gradualmente desde os primórdios da civilização e o homem parece não ter percebido o recado: a necessidade de uma mudança efetiva e não paliativa, mudança esta que deve ocorrer não física, nem biológica e nem geologicamente, mas sim uma mudança nas entranhas da humanidade, na sua moralidade. O nosso dever como espíritas que somos, estudiosos da doutrina é levar o esclarecimento, isto é, pôr a luz na mais
alta candeia possível, utilizando-nos de nossa capacidade e vontade para que ela ilumine a quem tocar. Há um desequilíbrio entre o sujeito intelectual e o sujeito moral e esta situação precisa ser mudada pela consciência que tomamos da realidade, pelo conhecimento mais aprofundado de nós mesmos e de tudo o que nos cerca. É a apreensão do sensível e do intelectual para chegarmos à conclusão moral através da razão, do bom senso e, em outras palavras, da filosofia espírita.
Expositores do NEF
10 fevereiro 2022
Artigo publicado no site do NEF – Núcleo Espírita de Filosofia